O conceito de “piores condições” varia de corredor para corredor.
Para mim, ele significa esteira.
Em local sem ar condicionado.
Sem música, TV, podcast, audiobook ou nada do gênero.
Apenas o som dos passos e do suor ecoando por um ambiente quente, úmido e fechado.
Antes que comecem a crer que eu seja masoquista, vale uma explicação: a ideia inteira era simplesmente testar a mente em uma situação que considero péssima para corrida, emulando assim, de alguma forma, momentos ruins que certamente aparecerão durante a Comrades.
Já tinha vindo de um dia complicado, em que acordei às 4 da manhã para pegar um vôo e fiquei em reuniões até as 21:00. Almoço rápido, estresse e calor ao longo do dia já haviam assassinado a paciência – quando veio a ideia de testar a cabeça, ingrediente principal para qualquer ultramaratona.
Foi pensando nisso que cheguei ao hotel, troquei de roupa e voei diretamente para a academia. Na esteira, mesclei ainda tempo runs com inclinações variadas (simulando morros) e completei 10km a um pace médio de 4:55.
Curiosamente, o pulmão passou o tempo todo tranquilo e apenas as pernas pesaram. Esteiras tem um elemento que naturalmente transforma a corrida em uma tortura: o contador de quilômetros pregado à frente dos olhos. Cada metro era somado com máxima crueldade e comparado ao relógio que teimava em não se mexer. As paredes continuavam imóveis, o som era entediante e o mundo parecia estar em congelado (não fosse o calor ridículo que fazia).
Mas a ideia era continuar firme até os 10K forçando a mente a realmente se separar da situação, pensando em uma diversidade de coisas: no dia, em planos, em provas, nas luzes de carros que passavam abaixo, no ritmo da respiração e dos passos.
E foi isso que fez esse treino tão especial. Cada vez que a mente se perdia por outros assuntos, o tempo voava e a sensação de esforço diminuía bruscamente. Sei que 10K em menos de 1 hora está longe de ser algo confortável para quem planeja correr 90K em 10 horas – mas a vida é vivida um dia de cada vez. E, no dia de hoje, esse treinamento foi realmente muito importante para incentivar corpo e mente a se separarem ao longo da corrida.
Corpo fazendo sua tarefa, mente voando pelo seu próprio universo, tempo se perdendo no abismo entre um e outro. Ultramaratonas, afinal, são provas mais mentais do que físicas – o que significa que o tempo de rodagem é apenas um dos ingredientes necessários para completá-las.
Por mais que tenha sido dolorido, o dia de hoje foi excepcional sob uma ótica de longo prazo.
A propósito, amanhã, quinta, seria o dia oficial de treino em ladeiras – mas acabei aproveitando a viagem e a situação para antecipar a planilha para esse “teste” feito hoje. Amanhã será então dia de descanso, abrindo caminho para que eu possivelmente encaixe um treino extra no feriado dessa sexta (se tudo estiver bem).
Até lá!