Desde que comecei a me interessar mais por esporte ouço alguns dogmas da nutrição, como a necessidade de corredores se entupirem de carboidratos antes de correr (o infame carbo-loading) e de uma alimentação constante, espaçada a cada 3 horas.
Nada disso fazia muito sentido para mim por dois motivos simples:
1) Se você não treinar o seu corpo a usar o seu combustível de forma eficiente, como conseguirá correr longas distâncias? Comer a cada 3 horas me parece quase um anti-treinamento, pois você estará habituando o organismo ao oposto do que precisa que ele esteja preparado (a não ser que pretenda parar para uma pizza no km 30 de uma maratona).
2) Até que ponto passar 3 dias comendo carboidratos de forma insana – no mesmo período em que estiver diminuindo a quilometragem para descansar as pernas (ou seja, durante o tapering) ajuda? OK, você certamente acumulará energia – mas e o peso extra? Ele não atrapalhará?
Comecei a pesquisar melhor na Web, em artigos e livros e acabei descobrindo a dieta paleolítica (ou outras dietas low-carb menos radicais) como resposta.
Na prática, a dieta paleo se baseia na forma que o ser humano da era paleolítica se alimentava. Em essência, ele levantava cedo e, de jejum, corria atrás de seu alimento (seja uma caça ou pequenas frutas silvestres). Comia o que podia, se abrigava do sol e, quando batia a fome de novo, lá ia o sujeito correr novamente atrás de alimento.
Qual o resumo da dieta do nosso homem paleolítico?
a) A primeira coisa que ele fazia ao acordar era correr atrás de seu alimento. Nada de sair com a barriga cheia – primeiro porque não havia tecnologia de armazenamento de comida e, segundo, porque a fome agia também como um “gás” extra.
b) Nada de se alimentar a cada 3 horas. Comia-se depois de um grande esforço iniciado após a fome aparecer.
c) A energia para o cotidiano era extraída de muita proteína e pouco carboidrato, pois técnicas de produção de pães e massas em geral estavam ainda a milênios de distância.
Aí entra a pergunta mais óbvia: até que ponto isso era saudável? Para isso, vale observar um pouco da vida do homem paleolítico.
Havia, sim, uma altíssima taxa de mortalidade infantil, causada principalmente por doenças infecções ou pelo fato da nossa raça ser presa fácil para muitas outras. Até os 15 anos, aliás, 40% das pessoas morriam. A partir dessa idade, no entanto, essa mesma taxa despenca vertiginosamente, como pode ser visto no gráfico abaixo, extraído do excelente artigo (em inglês) que pode ser acessado clicando aqui:
Segundo o mesmo artigo, a idade média de morte dos humanos que ultrapassavam os 15 anos de idade era de 72 anos. Sendo bem prático, isso indica que a dieta em si funcionava (mesmo porque a sobrevivência impunha como pre-requisito que todos fossem atletas).
E, como tudo tem a ver com treinamento, quanto mais se habituar o organismo a correr de jejum, mais ele estará preparado para gastar energia de forma eficiente, evitando se esbarrar nos famosos “muros” mais cedo. Essa eficiência vem justamente quando o corpo passa, prioritariamente, a extrair a energia necessária da própria gordura e do glicogênio muscular, perdendo um pouco essa dependência de fontes externas mais abundantes de carboidratos.
Isso significa, então, que devemos abandonar carboidratos e comer como um homem das cavernas? De acordo com os radicais da dieta paleolítica, sim – mas eu costumo ser bem menos radical. Viver sem nada industrializado – de pão a café – é praticamente o mesmo que se extrair do mundo normal e virar um hermitão antisocial. Para mim, faz muito pouco sentido – afinal, correr é algo que faço por prazer e não para me isolar da humanidade.
Mas dá, sim, para tirar algumas conclusões que podem guiar bem o treinamento. São elas:
1) Correr de jejum ajuda a tornar o organismo mais eficiente. Então incorporei isso à minha rotina e já nem sinto fome pela manhã.
2) Nada de carboloading. Às vésperas de grandes provas, o máximo que faço é comer um prato de massas e pronto. Sem exageros de nenhum dos lados (mesmo porque engordar dificilmente ajudará a ser mais rápido).
3) Pequenos avanços por um longo tempo. Endurance implica em treinamento contínuo, do tipo que traz benefícios constantes ao longo do tempo. Não adianta muito mudar hábitos de maneira radical, da noite para o dia: a probabilidade maior será disso gerar grandes problemas para a saúde. Fui tirando o café da manhã pre-corrida de forma gradual, até não sentir mais a necessidade dele. E, no mesmo processo, fui efetivamente me sentindo mais eficiente, aguentando períodos maiores sem a necessidade de reabastecer.
4) Sem radicalismos. Nunca pretendo virar um dos loucos seguidores da paleo diet como se fosse uma religião. Sejamos francos: homens das cavernas não comiam pão porque pão não existia. Viver como eles é abandonar os sagrados pequenos prazeres da vida.
5) Todos estão errados até que se prove o contrário. Ao desbravar qualquer território do treinamento e da nutrição esportiva, sempre se encontrará pesquisas que comprovam, acima de qualquer suspeita, argumentos opostos. Testar em si mesmo é bom (desde que não seja às vésperas de alguma prova), mas ler em profundidade é fundamental. Nesse mundo de leitura que fiz e continuo fazendo, descobri que a melhor característica de um pesquisador amador é o ceticismo. Todos, afinal, querem provar que estão certos – e a possibilidade de nós, atletas amadores, virarmos as vítimas dos egos dos pesquisadores, é grande (e perigosa) demais para ser desconsiderada.
Olá….Ricardo. Estou pesquisando sobre paleo mas não gostei de muitas leituras pois parecem seita. Sou nutricionista e li muito sobre os benefícios da opção low Carb …. Mas acho q alimentação é mais que isso. Estou a véspera da minha segunda maratona e dai vem meu conflito e por que cheguei aqui. Me formei ano passado e meu TCC foi uma revisão sistemática de uso do carregamento de carboidrato na performance em atleta de endurance…. Vi dados interessantes mas não acho que absoluto pois vai ter estudos dizendo o contrário. Tá mas te falei isso pq minha dúvida é como lidar com o treinamento e render…. e fazer está redução de Carb, queria a tua opinião e como fez isso. Obrigada desde já…
Oi Juliana! Pela minha experiência, a low carb é como um tanque de diesel: rende mais, permite que o corpo queime energia de maneira otimizada etc. Eu corro ultras, por exemplo, e rodo tranquilamente 50K sem sequer sentir fome. Por outro lado, é uma dieta que permite efeitos menos explosivos no esporte. Ou seja: consigo correr por muito mais tempo e por distâncias maiores – mas minha velocidade sem dúvidas caiu.
Em grande parte isso se dá pela maior complexidade envolvida na transformação de gordura em energia. Carbos são mais rápidos de queimar e, portanto, permitem mais “torque”. O lado negativo é que tb duram muito menos tempo.
Em geral, estou muito, muito satisfeito com a low carb para o esporte, mas realmente me apego mais a grandes distâncias do que a pequenos tempos.
Se me permite, recomendo o livro Nutricionista Clandestino, do Danilo Balu. É bem contestador e embasado. Dá uma olhada: https://clubedeautores.com.br/book/205304–O_Nutricionista_Clandestino