– Aqui diz que há uma pista de corrida interna de 1.800 metros. Onde fica?, perguntei ao recepcionista.
Seu olhar de interrogação foi curioso, principalmente por eu estar me referindo a um texto que ele mesmo acabara de me entregar sobre o hotel.
– Deve ser a rua de paralelepípedo que margeia a marina, respondeu.
Como nada pode ter menos a ver com corrida do que uma rua de paralelepípedos, desisti. Fui para a rua normal, fora do hotel.
– Não leve telefone. Essa região não é das mais seguras nem pela manhã!, ele me alertou.
Assim, saí apenas com a roupa do corpo, o relógio e um surrado FiveFingers com mais de 1.200km rodados e estranho ao ponto de afastar qualquer ladrão curioso.
Chovia bastante – algo incompatível com o próprio conceito do Ceará. Lamentei a perda do sol e do calor, que sempre fazem o mar ficar mais bonito, mas segui em frente.
Logo que saí do hotel – o Marina Park, em Fortaleza – me deparei com um prédio em ruínas. Olhando com cuidado, dava inclusive para ver algumas sombras (de pessoas ou almas) perambulando por corredores escuros pintados por rachaduras e pichações. Estava claro que ali, definitivamente, não era o calçadão de Fortaleza.
Virei à direita, direção mais próxima do cheiro do mar, e comecei a correr. De início, apenas o silêncio imperava, entrecortado pelo barulho das ondas sopradas por Yemanjá. Para quem nasceu em cidade de praia, há algo de familiar nos sons, nos cheiros e na própria sensação de se estar próximo do mar que gera uma impressão de se ter voltado para casa.
Embalado por um pouco de nostalgia e pela vista dividida, com o mar à direita e casebres semi destruídos à esquerda, segui em diante. Esse é o Nordeste: terra abençoada pelos Deuses mas, por algum motivo, amaldiçoada pelos homens.
O pensamento não durou muito: em instantes, a rua me levou para longe do mar, subindo uma ladeira e entrando na cidade. Carros e ônibus se multiplicaram.
Bares abertos traziam lembranças da noite anterior pelo cheiro de cerveja choca e pela presença de um ou outro velho guerreiro que lutava contra o impulso de se entregar à manhã comendo um prato de carde do sol com farinha.
As calçadas ficaram apertadas.
Em alguns trechos, desapareciam. Em outros, mudavam de calçamento e alternavam entre terra batida, pedras portuguesas, poças d’água e sacos de lixo acumulados. Pessoas desviavam dos obstáculos naturais temendo a chuva que vinha de todos os lados: de cima, seu habitat natural; de baixo, sempre que alguém próximo pisava em uma poça; ou dos lados, quando ônibus e carros passavam pelas piscinas pretas que se acumulavam nas laterais e davam um banho em todos.
Os cheiros eram um espetáculo à parte: em alguns trechos, havia ainda um pouco do ar de salitre, lembrando que estava no litoral. Mas, em outros, era uma mescla de fuligem com esgoto e lixo. Não dava para dizer que a cena era bonita, definitivamente.
Em um determinado momento, antes de alcançar a metade do trajeto, desisti: correr naquelas circunstâncias estava difícil. Dei meia volta e percorri o caminho contrário, passando novamente por tudo que havia ficado feliz em ter deixado para trás há apenas alguns instantes.
Até que, finalmente, o mar se reapresentou – e cheiros, chãos e vistas de minutos atrás desapareceram. Bebi a vista do Atlântico com a sede dos que em breve estarão de volta em São Paulo. Diminuí o pace. Sorri.
Em minutos, entrei no hotel e decidi checar a tal pista de corrida. Realmente havia uma mini-calçada pintada de azul que margeava a marina, mas os 1.800 metros definitivamente eram licença poética ou erro de digitação. Ainda assim, mesmo com a chuva apertando, deu para rodar um quilômetro extra entre o mar e um silêncio que contrastou com todo o barulho das ruas que desafiava a endorfina.
Não dá para dizer que a corrida desta sexta foi como imaginava originalmente – afinal, não teve calçadão na beira mar, nem sol, nem a companhia dos que madrugam já com o tênis no pé. Teve trânsito, favelas, cheiros esquisitos, barulhos desnecessários e uma chuva incessante.
Mas teve também o mar – e este acaba sempre se bastando por si só e garantindo boas energias.
Parabéns, se correu isto tudo e não foi assaltado agradeça a Deus. Fortaleza é ótimo para correr porém não é segura. Esta região do Marina é ‘trash’ – muito perigosa. Praia do Futuro idem!. Fortaleza tem ladeiras incríveis na região da Aldeota e Cidade 2000, tem o Pq do Cocó, porém o assalto correr solto…uma pena…(obs: minha família é cearense)
Vou caçar uma nova reunião aqui e correr nesses lugares então, Alex! Contando com a mesma proteção dos Orixás, claro 🙂