De alguma forma, a cidade parece mais estática hoje. É como se houvesse alguma energia no ar, algo deixando os fios dos cabelos de pé, mas sem gerar aquela conturbação que costuma caracterizar explosões de estresse.
Está cedo, ainda antes das 6. As ruas estão desertas, o asfalto ainda não sentiu os primeiros raios do sol e o escuro do céu apenas começa a dar sinais de que pretende sair. Não está nem quente, nem frio: uma espécie de temperatura tão amena que beira o inexistente parece se deitar sobre São Paulo.
Sigo adiante, ligando o Garmin e dando os primeiros passos.
Apenas eles são ouvidos, de tal forma que fico até preocupado em não despertar a metrópole com os meus pés. Bobagem, claro – mas o silêncio em excesso sempre desvia os nossos pensamentos por vielas inexistentes.
Tão mudo quanto rápido, viro algumas esquinas, sigo algumas retas e cruzo os portões do Ibirapuera.
Outros passos começam a ser ouvidos.
Uma brisa fina sopra a nuca, avisando que há mais coisa se mexendo na madrugada além dos meus próprios pensamentos. Corro.
Em pace cravado na casa dos 5’30″/km, passo um outro corredor solitário que faz a sua ronda diária, provavelmente sem entender o significado daquele dia. Não olho para trás: apenas sigo.
Caço desvios para prolongar um pouco a rota, entrando em esquinas novas e desbravando cantos mais obscuros do parque. Mas, claro, ele não é tão grande assim e em cerca de 15 minutos completo a volta.
Penso em fazer uma outra volta, motivado pela endorfina, mas desisto: não é hora de exagerar.
Saio pelo mesmo portão que entrei e, de repente, de um minuto para outro, percebo que tudo está diferente.
O sol já domina o céu, iluminando cada centímetro do meu caminho de volta; carros apressados furam semáforos sem culpa, buzinam e aceleram para fugirem de multas em dias de rodízio; pássaros se esguelam pelos céus, brigando para serem vistos em uma cidade com tanta coisa para se ver que a invisibilidade passa a ser um destino quase natural das coisas.
Acima de tudo, há barulho: muito barulho.
São Paulo acordou.
Ainda em silêncio, faço meu caminho de volta para casa, trocando a arrogância de quem temia acordar a metrópole com as próprias passadas pela humildade de quem começa a se sentir uma formiga irrelevante.
Aos poucos, o sprint vira trote e o trote vira caminhada. Chego no destino.
A partir desse momento, um ciclo importante se encerra: termino o meu último treino antes de voar para a África rumo à Comrades.
Em poucas horas estarei no avião.
Agora já é hora de me arrumar.
Republicou isso em Rumo às Trilhas.
Boa sorte, Ricardo! Acompanho sempre seu blog e suas dicas, uma vez que a Comrades é um sonho que espero realizar ano que vem. Estou certo de que este ano seu sucesso será ainda maior que na prova do ano passado. Rumo ao back-to-back!
Valeu Benício!! Tomara que vá no ano que vem – Comrades é uma daquelas coisas que mudam a nossa vida para sempre!