A corrida pelo índice: relato da Maratona de Sorocaba

O plano era arriscar.

Não vou dizer que estava preparado para fechar a Maratona de Sorocaba abaixo das 3h40, bem pertinho do recorde pessoal que cravei lá em Chicago, no distantíssimo 2013.

Mas estava confiante, energizado e empolgado. Às vezes, é o que basta para nos empurrar. Se conseguisse, garantiria para mim o índice da Baia C da Comrades, lá na frente. Se não conseguisse, sempre poderia contar com um sub-4, que me levaria à também boa Baia D.

Só não poderia ficar abaixo disso – não no ano de 2018, quando largarei depois de ter pedalado 1.650km, com o corpo obviamente já bem cansado.

Comecei, portanto, na pilha, procurando me manter firme e abaixo dos 5’10/km. E, no início, foi até relativamente fácil. Tão fácil que exagerei sem nem perceber, fazendo parciais sub-5 como se fossem algodão doce.

Havia subidas. Devorei-as.

Havia descidas. Deslizei como se fossem tobogãs.

Havia planos. Cortei o vento como se estivesse pedalando.

Só que não estava.

Quando olhei no relógio, estava passando dos 21km a um ritmo firme de 5’05/km.

Olhei de novo poucos quilômetros depois: já estava a 5’45/km.

Não entendi: se a percepção de esforço era a mesma, o que estava acontecendo com o GPS que cismava em gritar essa súbita lentidão tão assustadoramente indesejada?

Me empurrei.

Aumentei a velocidade ao máximo que conseguia: nada.

O pace médio teimava em subir: 5’06, 5’07, 5’10/km.

Faltavam ainda algo como 15km: estava claro que eu havia quebrado miseravelmente e que meu plano A, de fazer um sub 3h40 para largar na baia C da Comrades, já havia evaporado.

A partir dali, o foco era outro: sub-4, baia D.

E aquela meta era sagrada: se não conseguisse, precisaria arrumar outra prova para fazer o índice – algo muito, muito fora dos planos.

Hora de usar a cabeça: a média jamais poderia chegar no 5’40/km, sinal de que uma sub-4 não seria alcançada.

Fui com tudo que tinha.

Senti a coxa esquerda dar uma fisgada.

Diminui de leve, esperei, retomei.

O tornozelo direito gritou: diminui, esperei, retomei.

A bexiga protestou: parei, esvaziei, retomei.

5’28/km.

Subida.

Encarei, ignorando o estômago que também parecia dar sinais de desconforto.

Descida.

Me larguei ladeira abaixo, mas estava ainda muito lento.

5’32/km.

5’33.

5’34.

Briguei comigo mesmo. Depois me incentivei, repetindo todos os mantras piegas de corredores que existem por aí.

Virei matemático: fiz contas de quanto precisava correr a cada placa de quilômetro que ultrapassava.

Me assustei com os cálculos.

5’36.

Tentei me manter ali, firme, acelerando tudo o que conseguia.

Subidas brotavam para me desesperar.

Depois vinham descidas que me assustavam ainda mais, pois nem nelas conseguia me desenvolver como queria.

5’38/km.

A chegada já estava ali, quase palpável.

Passara dos 40km.

40,5.

Descida.

Ponte final.

Olhei novamente o GPS: tinha algo como 8 minutos para rodar o quilômetro.

Foi quando, apesar de exausto, comecei a sorrir: oito já era viável.

Acelerei.

Reta final.

O som da linha de chegada já dava sinais de proximidade. Na rua, atletas de todas as distâncias já apareciam para incentivar, empurrar, embalar.

Olhei ao fundo: o relógio oficial marcava 3h58’47s.

Suspirei fundo, cavando energia sabe-se lá de onde, e mergulhei no sprint final.

Daria? Daria.

Um, dois, um, dois, um, dois…

E, finalmente, linha cruzada com o exato tempo de 3h59’07”!

Sub-4 garantido. Baia D garantida. Índice garantido.

Quando me encostei na grade, quase desabei. Sabia que havia colocado tudo em risco ao ter iniciado tão forte e que certamente teria conseguido um tempo melhor se fosse mais conservador.

Mas, apesar de me dizer tudo isso naquele silêncio pós-chegada, não conseguia tirar o sorriso do rosto. Afinal, pelo menos havia tentado, arriscado. E, do ponto de vista prático, que diferença teria feito chegar em 3h40’01” ou em 3h59’07”? Nenhuma: entre 3h40 e 3h59’59”, somos todos Baia D.

Larguemos, então, nela!

E larguemos com a sensação de missão cumprida e de riscos devidamente assumidos – como tem que ser na vida, aliás.

11 comentários em “A corrida pelo índice: relato da Maratona de Sorocaba

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  1. Parabéns Ricardo.
    Quem sabe ainda não apareça a oportunidade de diminuir, em SP, talvez.
    Se for, não esqueça de chamar para puxar, no apoio.

  2. Parabéns!!! Quase, quase igual meu tempo de Buenos Aires. Também fiz 58, mas foi 04:58 kkkkkkkkkkkk. Um dia chego lá!!! Boa sorte, esterei torcendo! Sempre! Abraços!

      1. Valeu Ricardo. Ainda tenho que passar pela Two Oceans. Mas até chegar lá vou tentar ganhar mais “bagagem”. Abraços!

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