Nunca, nem nos seus piores pesadelos, Phil poderia imaginar que acabaria ali, se virando em mil para fazer bicos e ajudar a família – com quem ele agora morava – a sobreviver. As nossas próprias histórias, ele aprendia, sempre tem o Acaso como co-autor.
Quis o Acaso, pois, que a bolsa de valores da distantíssima cidade de Nova York entrasse em colapso em 1929. Quis o Acaso que, àquela altura, o mundo já estivesse interconectado o suficiente para que crises acontecessem como terremotos de escala global, gerando ondas de devastação a partir mesmo dos mais distantes epicentros. Quis o Acaso, por fim, que a União da África do Sul estivesse justamente em uma das situações mais vulneráveis de todo o planeta quando a hecatombe financeira aportou nas suas praias.
Economicamente falando, a África do Sul era puxada por duas atividades: a agricultura e a mineração.
Com terras férteis, fazendeiros habilidosos e uma mão de obra desumanamente barata, o país logo passou a vender de tudo para todos. A conta era simples: enquanto houvesse demanda global, haveria riqueza indo para o campo.
Dentro da terra – literalmente – a situação era ainda melhor: a África do Sul já se consolidara como a maior exportadora de ouro do mundo em um tempo em que era justamente esse metal que determinava o valor das principais moedas globais.
No sistema econômico então predominante em todo o globo – o chamado “padrão-ouro” – o dinheiro, em espécie, era apenas uma representação simbólica de uma determinada quantia de ouro. O que isso significava na prática? Que, para garantir o valor de suas moedas, os bancos centrais de todo o mundo precisavam, literalmente, estocar em seus cofres o equivalente em ouro de todo o dinheiro fisicamente impresso.
Para o líder inconteste na produção e exportação do metal, claro, não poderia haver situação mais confortável.
Até que veio a Grande Depressão de 1929.
Os efeitos começaram a ser sentidos no campo, com o sumiço em massa dos compradores externos, principal motor da economia rural. Entre 1925 e 1933, para citar dois únicos exemplos, as exportações de lã e de milho caíram, respectivamente, 75% e 80%. Em uma questão de meses, o desemprego explodiu e incontáveis negócios que dependiam da agricultura foram pulverizados.
Hipotecas de todos os portes deixaram de ser pagas.
Cofres dos mais variados bancos secaram.
Empréstimos e investimentos desapareceram.
Bens e imóveis que serviam como garantias para transações passadas começaram a ser arrestados a ritmos alucinantes.
Mares de flagelados começaram ondas migratórias inéditas, superpopulando centros urbanos e ampliando a miséria por todo o país.
Atônitas, as lideranças políticas concentraram todas as suas apostas na que entendiam como a alternativa mais óbvia para a recuperação: o ouro que parecia brotar infinitamente dos solos sul-africanos. Assim, medidas atrás de medidas foram tomadas para proteger e ampliar a indústria, baratear o processo produtivo e valorizar a cotação do metal. Enquanto as economias do mundo inteiro dependessem de um único insumo essencialmente dominado pela África do Sul, raciocinaram, vencer qualquer crise seria apenas uma questão de tempo e persistência.
Em 1931, no entanto, o Reino Unido, já sem alternativa para lidar com a Depressão, tomou uma decisão radical que mudou o curso da história: ele rompeu, em definitivo, com o sistema do padrão-ouro, adotando um modelo de câmbio flutuante essencialmente conduzido pelo próprio mercado.
Os britânicos não ficaram sós: igualmente desesperados por uma saída, diversos outros países seguiram o seu exemplo e, em pouco tempo, uma nova agenda econômica global estava não apenas posta em prática, como também empurrando os maus tempos cada vez mais para o passado.
Assim, de repente, bancos centrais de todo o mundo passaram a operar em um sistema em que comprar e estocar ouro não seria mais essencial ou mesmo importante.
E a África do Sul, que tanto dependia dessa dependência alheia? Ela insistiu.
Apavoradas com esse súbito abismo que parecia se abrir sob seus pés, as lideranças políticas locais preferiram manter a economia do país amarrada ao padrão-ouro na crença de que, eventualmente, o mundo inteiro voltaria atrás e o re-introduzisse como regra de mercado.
Foi uma decisão desastrosa.
Receosos de que essa insistência em um modelo já considerado ultrapassado fosse isolar totalmente a África do Sul do resto do mundo, muitos investidores simplesmente sacaram de lá grande parte de seus depósitos, secando de vez a já cambaleante economia. Para piorar, outros tantos investidores começaram a especular que, quando o país eventualmente rompesse com o padrão-ouro – algo já considerado inevitável – as cotações locais despencariam vertiginosamente, aprofundando a catástrofe a níveis inimagináveis.
Resultado: se, para o mercado externo, a União da África do Sul havia se tornado tão cara quanto arriscada, para o interno, visceralmente dependente de exportações, a vida em si já beirava a inviabilidade.
Os Masterton-Smith eram um exemplo perfeito dessa típica tragédia sul-africana: sem se dar conta, como que da noite para o dia, eles se viram ferozmente empurrados para um precipício sem precedentes.
O primeiro empurrão veio justamente do próprio governo que, falido, parou de pagar pensões e aposentadorias como as de Harry Masterton-Smith, pai de Phil e de outros nove.
Depois vieram as consequências diretas da Depressão sobre o negócio da família, o asilo de Bonnytoun, que acabou perdendo a quase totalidade de seus clientes para a inevitável inadimplência e teve que ser vendido.
Finalmente, como escassez de dinheiro em circulação também significa uma diminuição brusca na própria atividade econômica, encontrar um emprego fixo que garantisse um sustento mínimo, tapando de alguma forma os rombos orçamentários deixados pelo governo e pela perda do negócio da família, passou a ser uma fantasia quase pueril.
Aliás, o problema não era apenas encontrar emprego: era também, e talvez principalmente, conseguir mantê-lo.
O próprio Phil descobriu isso na pele, quando o Natal Witness, impactado pelas quedas na circulação, se viu forçado a inclui-lo em uma das tantas levas de corte de pessoal que inevitavelmente promovera.
A vida, efetivamente, dá voltas impressionantes. Em 1931, Phil Masterton-Smith era um jornalista em ascensão, um atleta reconhecido em modalidades que iam do boxe ao remo, e o campeão da lendária Comrades. Menos de dois anos depois, ele se via derrotado, desempregado e sem ter sequer perspectiva de conseguir o próprio sustento em uma província especialmente devastada pela Depressão.
Depois de muito pensar e tudo tentar, Phil deparara-se com o inexorável: precisava abrir mão de Pietermaritzburg e de toda a vida que havia construído lá para tentar uma sorte melhor junto à família, na Cidade do Cabo.
Oi Ricardo,
Você poderia me dizer quanto aproximadamente se gasta para correr a Comrades indo com agência de Turismo?
Oi André! Eu nunca fui por agência, mas chutaria uns R$ 5 mil, mais ou menos. Falei com o Leandro, um dos brasileiros mais rápidos da Comrades e que tem uma agência especializada na prova. Eles ainda estão montando os pacotes, mas manda email para ele no leandro@rentatour.com.br e ele te envia detalhes assim que os tiver!
Uma obs: lá na África tudo é mais barato para nós, brasileiros – mesmo com o dólar nas alturas como está.