Quando uma corrida começa a ganhar popularidade, ela logo traz hordas de atletas amadores ansiosos por provar para si mesmos que conseguem dar conta dos desafios propostos. Para quem gosta de esporte, sair do lugar de espectador e vestir as medalhas que costumam recompensar grandes esforços é quase uma obsessão.
E isso é tudo muito, muito natural. Eu iria além: não fosse esse tipo de pensamento, muitos dos mais icônicos dos desafios esportivos da humanidade sequer teriam sobrevivido até os nossos dias.
Mas o problema começa a aparecer quando se esquece que ultras, diferentes de muitas provas, exigem um tipo de entrega muito, mas muito mais intensa.
Em qualquer distância tradicional, até mesmo em uma maratona, é possível (embora dolorido e muito pouco saudável) caminhar ou se arrastar até o final. Ou seja: com algum treinamento e nenhum compromisso com bons tempos, muitos podem concluir os famosos 42km e exibir suas conquistas como verdadeiros heróis. Não me entendam mal: não vejo nenhum problema nisso, embora acredite piamente que não se deva encarar nenhum desafio sem se preparar bem para ele.
A Comrades, no entanto, não é uma maratona.
Ela não tem os já longos 42km: tem 90. O dobro e mais um pouco.
E mais: ela acontece em uma região batizada de Vale dos Mil Morros, com uma altimetria insana, e tem uma série de pontos de corte ao longo do percurso. Correu os primeiros 17km em mais de 2h40? A organização te exclui da prova. 4h30 para os primeiros 32km? Fora. 6h10 para 44km? Já para o “ônibus dos cadáveres”. E assim por diante.
Quer terminar a prova? Treine bastante – e com muita disciplina.
Falo isso porque tenho lido, no grupo de Whatsapp da Comrades, muitos novatos encarando a prova como se fosse praticamente uma corrida de 10K no Minhocão, treinando menos do que deveriam, traçando metas arriscadas demais (tipo chegar em até 1 segundo abaixo do tempo limite total, de 12 horas) e encarando tudo como uma festa.
Verdade seja dita, a Comrades é, sim, uma festa. Mas é uma festa apenas para quem tiver se preparado bem para ela e, portanto, estiver apto a vencer os seus 90km sem tombar inconsciente pelo caminho.
Ultramaratona é um outro tipo de esporte, um outro bicho. E é um bicho vingativo: deixe de respeitá-lo e não tenha dúvidas que ele te mastigará sem dó.
Texto magistral meu amigo Ricardinho. Você deveria postar lá no grupo. Forte abraço.
Pelo q acompanhei ontem, Cracra, já teve muita gente do grupo q passou por aqui pra ler! E q bom, pq esse papo de “sair pra morte na primeira metade e garantir folga na segunda”, ou de “treinar só o suficiente para chegar com tempo de 11h59m59s” é puro suicídio!