A Comrades ficou um tequinho mais burocrática

Uma das coisas mais incríveis do esporte é que, em geral, ele depende unicamente da nossa força de vontade.

Isso é especialmente verdade em corridas: basta se impor a deliciosa disciplina de treinar, suar a camisa e desbravar as ruas e trilhas que se espalham pelo mundo.

Dentre essas ruas e trilhas, um percurso acabou chamando a atenção do mundo pelos mais variados motivos: os 90km da Comrades. Seja por se esparramar pela sempre mítica África, seja por ser a mais antiga das ultramaratonas do planeta, seja por atrair mais de 20 mil atletas amadores, de todas as idades e de tantos países, para a largada, o fato é que poucas provas conseguiram atrair tantos holofotes quanto essa.

E era simples: bastava organizar a viagem, correr uma maratona para provar-se minimamente apto e pronto: o caminho até Durban ou Pietermaritzburg estava já aberto.

Até agora.

Porque se há uma tentação endemoniada que sempre abraça qualquer corpo organizacional, ela é a da burocratização. Afinal, se algo é tão simples, por que não complicar um pouco para atrapalhar a vida das pessoas e, ao longo do caminho, arrecadar uns trocados para quem nunca sequer entendeu o propósito do esporte em si?

Eis que, na semana passada, corredores do mundo todo receberam um email da organização da Comrades com uma mudança em suas regras: a partir já deste ano, quem quiser correr deverá apresentar um certificado de aptidão assinado pelo corpo dirigente do esporte de seu país.

Oi?!

Problema 1: Estamos falando da CBAT, Confederação Brasileira de Atletismo? Quantos emaranhados de burocracia residem lá e que precisam ser desatados para que uma carta seja produzida para os 200 brasileiros inscritos?

Problema 2: Imagino ser de uma naturalidade óbvia que a CBAT exija algum tipo de filiação – que custe algum tipo de anuidade – para nos dar qualquer coisa. E se não quisermos dar dinheiro para esse órgão que, nitidamente, tem feito um trabalho tão incompetente em nosso esporte?

Problema 3: Que autoridade ou conhecimento tem a CBAT (ou qualquer outro órgão) para atestar a minha capacidade esportiva dado que eu nunca sequer passei pela porta de sua sede ou conversei com ninguém de lá?

Pois é: aparentemente, esses três problemas foram colados à Comrades pela sua igualmente burocrática organização. Há como fugir disso? Apenas se quisermos fugir da prova em si.

Ainda assim, essa nova regra foi imposta sob um manto de dúvidas. Esses três problemas ainda são hipotéticos, pois não sabemos ao certo quem realmente deve gerar esse documento estapafúrdio, se ele pode ser em português, se a burocracia da CBAT permitirá que se cumpra o prazo estipulado para a entrega (02/05), se teremos ou não que pagar por isso e, se sim, quanto.

Pelo que o Nato Amaral, embaixador da Comrades no Brasil, comentou, todos os embaixadores dos países participantes estão também cheios de dúvidas enquanto a organização do evento, a CMA, fechou-se em um silêncio constrangedoramente sepulcral.

O que nos resta fazer agora? Esperar com calma e sem afobação. Há milhares de corredores no mesmo barco e certamente haverá algum passo-a-passo mais claro nos próximos dias, ainda que irritantemente burocrático.

Assim que mais detalhes forem divulgados eu postarei aqui, no blog, para que todos fiquemos na mesma página.

E, enquanto isso, exerçamos o nosso direito sagrado de xingar a CMA, a CBAT, a instituição da burocracia e todos que tanto se esforçam para atrapalhar o que deveria ser o ato da mais absoluta simplicidade: correr.

3 comentários em “A Comrades ficou um tequinho mais burocrática

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  1. Nobre amigo, sua elegância ao redigir a postagem é simplesmente apaixonante. Jamais li algo, tão refinado e suave para retratar um problema a meu ver sem solução. Não sei o certo, mas estou inclinado a desistir da prova.

    1. Desista não, Dionísio! Vamos pelo menos esperar alguma manifestação deles. A gente está no Brasil – já imaginou como devem estar os corredores indianos em busca de alguma federação por lá?! Os gritos chegando à CMA devem estar ensurdecedores!

  2. Incrível isso Ricardo! Já não bastava a exigência de um Qualify de 04hr49mim em uma maratona a partir desse ano. Independentemente da idade do participante e também das qtde de vezes que ele já tenha participado.

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