Está na hora da Comrades

Durban está logo ali na esquina do calendário. A ansiedade, por sua vez, já está devidamente acumulada, pulsando sangue pelas artérias e veias a cada treino. 

Já me perguntaram inúmeras vezes por que eu ainda corro a Comrades. Esta será a minha quarta participação, afinal – o suficiente para conhecer cada centímetro do percurso e para já ter vivido um volume bem razoável de experiências. Considerando que, de fato, eu realmente evito repetir provas justamente para me permitir colecionar experiências diferentes em lugares diferentes o mundo, não é uma resposta fácil. 

Foi na Comrades que eu primeiro vivi, com a devida intensidade, uma experiência completa de ultramaratona. Não foi a minha primeira prova – mas foi a primeira que realmente me pôs à prova, que me fez cavar fundo na minha própria força de vontade e que, por consequência, me apresentou a mim mesmo. 

Não só a mim – e esse é outro dos seus atrativos. Somos, anualmente, 25 mil pessoas desafiando seus 90km. 

Vinte e cinco mil pessoas.

É muita gente buscando a glória pessoal, a auto-realização que costuma aparecer 8, 10 ou 12 horas depois da multidão cantar “shosholoza” no mais belo coro de adrenalina. 

Foi pela Comrades que fiz o Unogwaja, pedalando 1.650km de Cape Town até a sua linha e largada, em Pietermaritzburg, vendo e vivendo a África nos seus mais pitorescos detalhes. 

É na Comrades que passados longínquos se somam a expectativas de futuros imediatos em uma mescla de tradições, lágrimas e sonhos. 

Há uma irmandade envolvida em tudo isso, uma espécie de seita informal composta por quem já se aventurou pelos asfaltos africanos. Essa irmandade conta. Muito. 

Mas há, principalmente, a própria África. Sua selvageria. Seus contrastes. Seus tantos idiomas ancestrais formando outros tantos sorrisos atuais. Seus morros e ares ocres. Seus céus que passeiam entre o frio congelante e o calor sufocante. Seu temperos. Suas vidas que desafiam a lógica pelo simples fato de continuarem existindo, exuberando-se, aventurando-se, sorrindo. 

Tudo isso aí é uma espécie de lar para mim, é uma marca no espaço-tempo que me faz sentir tão em casa quanto a minha cidade natal ou a minha cidade atual. 

Voltar à Comrades é, para mim, como realizar uma peregrinação anual de volta a mim mesmo – e por isso continuo refazendo esse mesmo percurso ano a ano, por isso me banho de ansiedade nos dias que antecedem a viagem, por isso abro um sorriso permanente no instante em que piso nas cores, nos cheiros e nas exoticidades da África. 

E está na hora de embarcar de novo.

2 comentários em “Está na hora da Comrades

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  1. Será minha primeira COMRADES, eu estou na pressão, ansiedade e uma expectativa impressionante. Pouco menos de uma semana me separa de Durban. Estou por poucos dias para realizar uma sonho inicialmente impossível, depois terrivelmente difícil e agora possível. São 16 (DEZESSEIS) anos de expectativas, desistências, tentativas, treinos, desistências, abandono e agora, pela primeira vez com passagens compradas e inscrição feita, uma semana me separa de Durban, dez dias me separam de um sonho de 16 anos.

    Grande abraço Ricardo, nos vemos em Durban!!!

    1. Será um prazer correr do teu lado, Ronaldo! Vc vai amar cada minuto e cada segundo – e com certeza vai fazer da África uma extensão da sua casa, assim como tantos de nós fazemos. Bem vindo!!!

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