Foram meses de treinamento intenso, incluindo madrugadas no pedal, braçadas em águas ainda escondidas sob finas camadas de neblina, corridas que se alternavam entre um já assimilado modal de transporte a tiros e intervalados pelas calçadas da USP.
Tudo com dois focos: descobrir e desvendar um novo esporte, o triathlon de longa distância, e inaugurar um tipo diferente de linha de chegada com o Ironman 70.3 de Maceió.
Maceió.
Desde o dia em que me inscrevi na prova vi e revi e debulhei todos os vídeos de percurso, as fotos de edições passadas, os depoimentos de outros atletas. Me imaginei nadando nas águas quentes do Nordeste, cruzando o estradão de bike, pisando com meus tênis os 21km finais da corrida. Mesmo já tendo me inscrito no IM 70.3 de São Paulo, em novembro, e no IM completo de Floripa, em junho do ano que vem, Maceió havia rapidamente se transformado em um daqueles sonhos que nos embalam a cada treino, que nos relembram sorrisos a cada chatice qualquer do cotidiano, que nos energizam instantaneamente a cada momento de cansaço.
Mas, assim como em qualquer prova de longa distância, a vida também tem seus imprevistos. E quiseram eles – os imprevistos – que, coincidentemente depois de todo o pico de treino, faltando apenas uma semana para a largada, eu precisasse desistir da viagem e cancelar a minha participação na prova.
Maceió, ao que parece, ficará para uma outra oportunidade.
Alguma coisa qualquer, alguma mudança maior, no entanto, aconteceu durante todo esse período de treino intenso. Foi como se meu objetivo antes de fazer a inscrição tivesse se invertido com o tempo: ao invés de descobrir um novo esporte, acabei me descobrindo nele.
Não sei em que momento exatamente isso aconteceu, mas o fato é que passei a dormir empolgado às segundas e quartas justamente por causa do prospecto de acordar às 4 da manhã no dia seguinte e pedalar nos horários permitidos da Cidade Universitária, na USP. Que passei a amar as interminavelmente repetitivas braçadas solitárias na piscina do prédio. Que passei e enxergar com ainda mais paixão o mais primitivo de todos os esportes, a corrida. E que, finalmente, passei a sorrir a cada vez que a planilha me mandava fazer treinos de transição, focados em acostumar as pernas à dolorosa missão de correr imediatamente depois de pedalar.
Não foram, principalmente nessa fase final de treinos para o IM 70.3, sessões simples: 80, 90, 100km de bike passaram a ser tão rotineiros quanto a média de 10 atividades feitas por semana (entre natação, corrida e ciclismo). Mas todas, absolutamente todas, sem uma única exceção, incluindo até mesmo as que terminei à beira do colapso, foram celebradas com um sorriso endorfinado e silencioso ao final.
Maceió, ao que parece, acabou contaminando cada célula do meu corpo com a paixão por esse esporte tão esquisito, tão complexo e tão enigmático que é o triathlon.
Mas e agora?
O que fazer com todo esse treino acumulado sem uma prova-alvo para despejar a energia no curtíssimo prazo?
Pergunta burra, descobri.
Porque, enquanto sonhava com a prova durante todo o processo de treino, meu coração descobriu que o esporte em si era muito, mas muito mais importante que o evento.
Não vou dizer que não fiquei triste com a impossibilidade de nadar, pedalar e correr pelos ares do Nordeste: falar isso seria mentir para mim mesmo. Mas vou dizer que descobri o óbvio: que definitivamente não precisamos de tiros de largada, números de peito e faixas de chegada para nadar 1.900m, pedalar 90km e correr 21km.
As distâncias, as águas e as ruas, afinal, não dão a mínima para uma logo encapsulando-as em um evento.
Então, já que estou treinado, preparado e energizado para fazer o IM 70.3, é precisamente isso que pretendo fazer.
Amanhã.
Maceió, ao que parece, se transformará no Riacho Grande, meu tradicional percurso de treino aqui nos arredores de São Paulo.
Às 7:30 da manhã de amanhã, portanto, pretendo cumprir as mesmas distâncias dentro das mesmas regras do evento oficial que seguirá seu rumo oficial sem mim.
Nadarei os 1.900m nas águas frias da Represa Billings em menos de 1h10. Transicionarei para a bike e pedalarei os 90km de percurso em menos de 5 horas acumuladas. Transicionarei para a corrida e fecharei os 21km em menos de 8 horas acumuladas.
Qual será o meu tempo real? Nem ideia: será a primeira vez que farei esse “evento”. Mas descobrirei amanhã, logo antes de colocar uma medalha virtual no peito e – ou ao menos é o que espero – de dirigir silenciosa e solitariamente feliz de volta para casa.
Assim como o fiz em todos os treinos.
Maceió, ao que parece, acabou se transformando em uma prova-alvo tão marcante quanto diferente do que eu originalmente imaginara no momento da inscrição.
