Que comece a Spartathlon

A prova mais lendária da história está prestes a começar

Atenas, 490AC

Em um clima de pura angústia, a relativamente pequena Atenas tremia com a notícia da invasão do todo poderoso Império Persa. Como conseguiriam eles se defender da que já era considerada a força mais poderosa da história do humanidade? O que poderiam fazer para não cair perante os tantos milhares de soldados aflitos para destruir a civilização que eles construíram com tanto esforço?

Do outro lado das tensões, os persas planejavam com cuidado a dominação já há muito sonhada de Atenas, possivelmente o maior dos prêmios do ocidente de então. A questão era: por onde? Qual seria o caminho mais indolor para conquistar o ponto de entrada de toda a região e derramar toda uma hegemonia social, política e cultural?

Duas alternativas se apresentavam: a mais prática seria invadir a Baía de Maratona e, a pé, marchar até Atenas; a mais lenta, porém mais “direta”, seria contornar toda a península pelo mar e entrar com força total em Atenas.

Enquanto a frota do imperador persa Darius I navegava até a Grécia, portanto, Atenas se preparava para o pior: ela tinha menos soldados, menos armamento e muito menos experiência no campo de batalha.

Temendo a derrota certa, os atenienses decidiram pedir ajuda a quem mais entendia de guerra na região: Esparta. Sem perder tempo, eles enviaram o mensageiro Pheidippides até a segunda cidade-estado mais importante da região, 250km ao norte, para implorar apoio militar.

Abençoado pelo deus Hermes, ele chegou à corte espartana em pouco menos de dois dias, ansioso por ajuda. Mas… ela não veio. Pouco entusiasmados em gastar suas forças para apoiar uma cidade-estado rival, os espartanos alegaram motivos religiosos e disseram a Pheidippides um sonoro ‘não’.

O que ele fez? Descansou por um punhado de dias e correu o caminho inteiro de volta pra dar a má notícia.

250km e mais dois dias depois, quando chegou a Atenas, seus companheiros se encontravam em uma espécie de estado de terror: centenas de navios persas esperavam uma decisão sobre o local do início do ataque – Maratona ou Atenas – ancorados na baía. Interpretando a indecisão como oportunidade, os gregos formularam um plano: eles enfileirariam todas as suas tropas em Maratona, fazendo os persas crerem que Atenas estava desprotegida para, assim, se dividirem e atacarem simultaneamente os dois pontos.

E, assim, cerca de 10 mil soldados atenienses – incluindo Pheidippides – marcharam até a Baía de Maratona, que ficava a 42km de Atenas.

O plano funcionou.

Entusiasmados com o montante das forças aparentes que desenhavam a silhueta dos morros, os persas ordenaram que metade de suas forças desembarcassem para o ataque enquanto a outra metade seguisse até Atenas – que certamente estaria desprotegida.

Em números, essa metade das forças somava algo como 70 mil soldados e marinheiros – uma quantidade ainda esmagadoramente maior que a dos gregos. Maior, mas insuficiente.

Abençoados por todos os seus deuses e por uma estratégia militar fabulosa, os gregos esmagaram os persas em tempo recorde e dizimaram suas forças.

Ou metade delas, pelo menos. Entrava em cena a segunda parte do plano.

Afinal, tudo o que restava agora aos atenienses eram tropas vencedoras, mas absolutamente exaustas e a 40km de distância da sua capital que, àquela altura, estava prestes a ser invadida por 70 mil soldados persas descansados.

O que eles fizeram?

Correram de volta para Atenas, vestindo seus 20kg de armadura cada e procurando ignorar as inevitáveis feridas, para poder passar a impressão aos persas de que as forças gregas eram maiores do que eles imaginavam.

E, no instante em que a frota persa atracava nas águas próximas à capital, todos os soldados – incluindo Pheidippides – chegaram e se posicionaram nas colinas como se lá estivessem há dias, numerosos, descansados e preparados.

O truque deu certo: espantados, os persas nunca cogitaram que se tratava do mesmo exército que viram em Maratona, desistiram do ataque e voltaram para casa.

Coube a Pheidippides chegar ao centro da cidade e dar a notícia da vitória a todos. O resto é história: após gritar a boa notícia, ele entrou em colapso, caiu e morreu.

E essa foi a verdadeira história da maratona…

Costuma-se acreditar que a Maratona foi uma homenagem ao mensageiro Pheidippides que, depois de correr 42km, morreu de cansaço. Sejamos francos: lá naqueles tempos tão longínquos, em que carros e comodidades logísticas eram essencialmente inexistentes, 42km era praticamente um passeio no parque para qualquer cidadão.

Na vida real, Pheidippides morreu depois de correr 500km (ida e volta entre Atenas a Esparta), depois mais 42km de Atenas a Maratona (portando 20kg de armadura), depois guerrear com um número incrivelmente maior de soldados persas e, depois, correr de volta mais 42km (ainda com armadura) até Atenas. Só de pensar já dá para morrer, não?

A ultra como a mais justa das homenagens

Nada mais correto, portanto, que homenagear esse mito justamente em uma prova que faz o percurso trilhado por ele até Esparta.

Assim nasceu a Spartathlon – com sua rota de 246km que deve ser percorrida no ridículo limite de 36 horas. Difícil? Sim: ela é, provavelmente, a prova mais difícil do mundo – o que nunca a impediu de acontecer desde a sua edição inaugural, em 1983.

E há toda uma série de fenomenalidades em torno da Spartathlon que precisam ser mencionadas:

  1. A distância: 246km não é pouca coisa.
  2. Não estamos falando de um percurso de asfalto: há trilhas e montanhas pelo caminho que, no total, acumula 1.200m de altimetria.
  3. Os tempos de corte são ridículos. Veja que estou falando no plural aqui: há, além das já insanas 36 horas como limite máximo para se cruzar a linha de chegada, toda uma série de 75 (!) cortes ao longo do percurso. Os primeiros 81km, apenas a título de exemplo, precisam ser fechados em 9h30.
  4. O calor. Estamos falando de Grécia e, por mais que o final de setembro não seja o auge do verão, esse ano deve contar com temperaturas na casa dos 29 graus.

E por que vale a pena ir?

Por um conjunto de motivos bem maior que esses:

  1. Pela história. Não há nenhuma outra prova no planeta que permita se reviver a história como a Spartathlon.
  2. Porque vai quem pode. Não basta se inscrever e correr na Spartathlon: há todo um processo de seleção que garante que apenas a nata dos ultramaratonistas consigam largar.
  3. Pelo percurso. Mais que um percurso, aliás, passa-se por alguns dos pontos mais importantes da história da humanidade. Isso inclui Atenas e Esparta, claro – mas também inclui Corinto, Nemeia e todo um mundo de pequenas vilas que já foram atravessadas pelos pés de Heródoto, Sócrates e Platão, Alexandre o Grande e tantos outros nomes de tantos outros heróis.
  4. Pela chegada. A corrida termina aos pés da estátua de Leônidas, o rei espartano que acabou morrendo dez anos depois da vitória ateniense, quando comandou a derrota de Esparta em outra batalha contra os persas, em Thermopylae.
  5. Pela medalha. Olhe que coisa incrível a medalha da Spartathlon – perfeitamente de acordo com o tanto de simbologia que essa prova carrega.
Estátua de Leônidas, na chegada
Medalha da Spartathlon

Quem vai correr?

Dois brasileiros correrão a Spartathlon este ano: Jorge Coentro (número de peito 35) e a green number, ídola e amiga Zilma Rodrigues (número 378).

Ambos comporão um field de 400 corredores.

Quando será a prova?

Sexta-feira, 27 de setembro, às 7 da manhã (horário de Atenas), 1 da manhã aqui no Brasil.

Como acompanhar?

Pelo site: basta clicar aqui e seguir as instruções.

Aos brasileiros em geral e à Zilma em específico, desejo toda a sorte do mundo. Do lado de cá, a quilômetros e séculos de distância, ficarei acompanhando de perto o desenrolar dessa saga tão fenomenal que é a Spartathlon.

Se quiser ter um gostinho de como é essa prova, veja o vídeo abaixo:

4 comentários em “Que comece a Spartathlon

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  1. PQP amigo, que relato!!!!!!!

    Ao final da leitura veio lágrimas aos olhos, aquele sentimento gostoso de poder estar lá….

    Muitos desejam, mas é uma prova para poucos, para grandes guerreiros…

    Espiritualmente estaremos com todos estes guerreiros nesta jornada…

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