Feliz com o Ohana Kahi, me vi em casa, inteiro e, essencialmente, sem nenhuma dor relevante.
Aliás, para quem está habituado a ultras – por natureza mais extenuantes que triathlons – dá até uma certa culpa em terminar provas com condições plenas de caminhar sem parecer um zumbi nas suas últimas horas de pseudo-vida.
Mas voltemos ao tema do post.
Sem dor, contente com a própria realização como só os despretenciosos amadores tendem a ficar, abri o TrainingPeaks para conferir a planilha.
Segunda, 2.600m de natação. A rotina do dia me forçou a treinar à noite – o que acabou sendo excelente. A piscina estava deserta e quase sem luz: foi como nadar em um azul escuro líquido. Como o treino era daqueles arrastados, pouco estruturados – com uma série de 1.500m de crawl, por exemplo – deu para eu me perder totalmente nos próprios pensamentos enquanto ia de um lado para outro da piscina.
Sorrindo silenciosamente debaixo da água. Sem nenhuma preocupação. Sem nenhuma pressão. Sem nenhuma ameaça de negatividade qualquer.
No dia seguinte, hoje, 2 horas de pedal. Madruguei, rumei para a USP e saí cruzando o asfalto da Cidade Universitária clipado na própria felicidade.
Mudei caminhos. Tomei subidas. Voei em descidas.
A energia, aliás, estava tão alta que até encaixei um plano de corrida no final do dia.
Tudo por conta de uma única prova.
Porque provas, quando bem sucedidas, trazem uma certa intimidade com o esporte que vai além de qualquer treino que se possa fazer. O próprio nome já denuncia isso: quando se vence uma prova, atesta-se que se está preparado para aquilo que se propôs.
No caso de triathlon, com tantas peculiaridades complexas, perde-se o medo das transições, das águas mexidas por marés e pontapés, das regras de vácuo na bike, das condições das pernas quando a corrida chegar. Perde-se os medos que todos os iniciantes têm porque, de certa forma, as regras da prova se conectam ao espírito do esporte na prática, gerando uma experiência forte o bastante para trazer o que todo atleta precisa: a segurança de que, a partir daquele momento, ele já conhece o que estará prestes a encarar.
Não que isso seja algo peculiar ao triathlon, claro. Lembro-me perfeitamente bem do nervosismo que antecedia cada largada diferente nas corridas, dos 4K aos 10K, às 10 milhas, à meia maratona, maratona, 50K, 90K, 100K, 100 milhas, 240K. São tantas, tantas as perguntas que passeiam pela cabeça que, por vezes, domar a mente acaba sendo mais difícil que controlar os músculos.
Até se cruzar a linha de chegada.
Depois disso, tudo fica simples, tangível, interpretável.
Até mesmo os treinos.
Essa intimidade que se ganha depois de se concluir qualquer prova, em qualquer esporte, é uma das sensações mais gostosas que a endorfina pode produzir.

“Essa intimidade que se ganha depois de se concluir qualquer prova, em qualquer esporte, é uma das sensações mais gostosas que a endorfina pode produzir.”

Ricardo muito bom o texto! Parabéns!
Um forte abraço
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É verdade. Valeu Wilson!