O coração diz tudo o que você precisa saber. Literalmente.
Sempre me considerei uma espécie de atleta consciente: o próprio fato de nunca ter tido nenhuma lesão, mesmo fazendo provas que por vezes varam dias e noites seguidas sem descanso, atestam algum tipo de qualidade fisiológica no meu estilo de treino. Mas – e sempre há um ‘mas’ em questões assim – não foram poucas as vezes que acabei sucumbindo ao fantasma do overtraining.
Em termos práticos: seguia as planilhas como deveria, acumulava cargas e intensidades como planejava mas, em um determinado momento, geralmente em torno de alguma prova alvo, acabava desabando de exaustão quase explosiva (incluindo uma sonolência desmesurada, apatia e desmotivação).
Perceba a contradição aqui: eu sempre fui capaz de ouvir sinais do meu corpo o suficiente para evitar lesões físicas… mas, ao mesmo tempo, sempre fui incapaz de ouvi-lo a ponto de evitar esse tipo de ‘lesão psicológica’.
O que aprendi nessas primeiras semanas utilizando o Whoop, pulseira que registra todo um mar de dados a partir dos batimentos cardíacos 24 horas por dia, 7 dias por semana? Que nem sempre é possível ouvir bem os sinais do corpo: há momentos em que é necessário lê-los.
Os dados que o Whoop traz
Não vou me repetir falando parágrafos e mais parágrafos sobre o Whoop (veja detalhes aqui), mas queria passar apenas pelos seus principais conceitos.
HRV: O primeiro e mais importante de todos é o HRV (‘heart rate variability’ ou variabilidade dos batimentos cardíacos). Tecnicamente, quando se tem um batimento cardíaco de, digamos, 60 batimentos por minuto, costuma-se deduzir que isso tenha uma equivalência a 1 batimento por segundo. Não é o que ocorre na prática: há uma variação, em milissegundos, entre cada batimento.
E por que isso importa? Porque quanto maior essa variação, melhor o estado geral de saúde. Clique aqui para entender melhor a ciência por trás do HRV e o motivo pelo qual níveis mais altos são melhores.

Estresse (ou Strain): O sistema do Whoop classifica o estresse gerado no corpo em uma escala de 0 a 21 pontos. Mas há uma diferença grande, aqui, para outras ferramentas de mensuração de estresse corporal: enquanto o TrainingPeaks, por exemplo, se foca no estresse aplicado durante treinos, o Whoop registra tudo – incluindo o período em que você está trabalhando, dormindo, comendo ou passando tempo com a família. Essa diferença no registro de estresse corporal é chave porque permite se entender os efeitos de tudo sobre o corpo (e não apenas de um treino) ao longo das 24 horas do dia.
Recovery: É o percentual de recuperação do corpo em relação ao estresse aplicado a ele, sempre medido em ciclos de 24 horas.
E, para tudo, o HRV é a chave: é ele quem determina os volumes de estresse e é ele quem aponta o grau de recuperação.
Se a recuperação é diária, como é possível se acumular cansaço?
Simples: recuperando-se menos que o suficiente. Essa é a parte em que a afirmação de que não existe ‘overtraining’, mas sim ‘under-recovery’, entra em cena.
E como se recuperar?
Há, claro, toda uma miríade de formas de ajudar o corpo a se recuperar de estresses físicos aplicados a ele: crioterapia, massagem, hidratação adequada, nutrição saudável etc.
Mas a mais importante de todas? O sono. O mesmo post que indiquei acima, sobre as métricas do Whoop, fala disso – mas o importante é entender que é justamente na fase de sono profundo (ou SWS ou Deep Sleep) que a recuperação física acontece, da mesma forma que é na fase de REM que a recuperação mental acontece.
Ou seja: se você conseguir dormir o suficiente e ter um sono de qualidade, com doses relativamente balanceadas de sonos profundos (SWS) e REM, seu corpo vai acabar se recuperando para um outro dia de treino. Simples assim.
E como saber quanto sono você precisa? Isso é outra coisa que o Whoop dá a partir do seu “sleep coach”, comparando, a partir de medidas do seu HRV e do seu comportamento estatístico ao longo do tempo (incluindo a análise personalizada da qualidade do seu sono), o estresse e o recovery.
Um pequeno caso prático comigo
Minha planilha de treino costuma ter 6 dias de atividade e 1 de descanso. E, até então, eu meio que me adaptava a ela.
Mas veja, no entanto, como foi a minha quinta passada:

Uma quarta-feira puxada tanto pelo estresse quanto pelo treino e somada a um despertador gritando às 4 da manhã para que eu pudesse ir à USP essencialmente destruíram minha recuperação do dia.
O resultado: o restante da quinta foi basicamente estragado e a própria performance no treino foi sofrível.
Ao longo do dia, no entanto, tentei encaixar uma pequena soneca – e mergulhei na cama à noite o mais cedo que consegui para acordar melhor na sexta.
Funcionou. Amanheci no dia seguinte assim:

Foi um outro dia intenso tanto no trabalho quanto em casa – e com direito a natação e corrida. Aliás, a medida de estresse, de 19.1 em uma escala que vai até 21, já deixa isso bem claro.
O nível de motivação e energia, no entanto, foi outro.
No dia seguinte…
Seria um sábado atípico, em que eu precisaria madrugar para fazer quase 3 horas de rolo antes de estar na escola da minha filha mais velha às 9:30. Madrugada na bike, pouco sono e…

Não que eu estivesse tão mal quanto na quinta – mas 61% de recuperação não é exatamente algo fantástico.
E foi um treino chato, arrastado e, de acordo com a outra ferramenta que uso para medir a qualidade do esforço físico em si, o TrainingPeaks, pouco eficiente.
Em tese, no entanto, minha semana havia acabado: a planilha estava vazia e eu teria o domingo inteiro para descansar e me recuperar.
Mas… isso era necessário?
E se eu dormisse bem e registrasse um nível melhor de recuperação? Seria possível encaixar um treininho leve, o bastante para melhorar o condicionamento sem gerar nenhum tipo de dano ao estado geral do corpo?
Foi o que testei, aproveitando o final de semana para acordar bem mais tarde que o meu habitual (que sempre gira entre 4 e 6 da manhã).
No domingo, portanto, acordei assim:

Com um sono praticamente perfeito e minha recuperação novamente no verde, encaixei um 70 minutos de bike em intensidade média-alta, melhorando a forma sem, no entanto, danificar nada relacionado ao estado físico ou psicológico.
A prova disso, aliás, foi a forma que acordei hoje: totalmente recuperado e inteiro como raras vezes antes fiquei:

O que isso tudo quer dizer?
O recado mais óbvio, claro, é que acordar para treinar as madrugadas não é exatamente saudável. Infelizmente é um recado inútil para mim: ao menos aqui, em São Paulo, não há outro local para treinar bem que não seja a USP – e esta fica aberta para ciclistas apenas entre 4:30 e 6:30 da manhã.
Em outras palavras: entre terças e quintas não terei alternativa senão continuar madrugando e atrapalhando a recuperação corporal.
Mas há mais “recados” importantíssimos:
- Há como se melhorar o prospecto das terças e quintas: basta dormir mais cedo ou encaixar, em algum momento do dia, alguma soneca. Qualquer tipo de sono inserido forma uma espécie de “banco” que ajuda na recuperação.
- Não estamos falando só de coisas físicas aqui: a recuperação é uma medida para tudo no cotidiano, incluindo a capacidade de concentração e desempenho no trabalho e o humor necessário para que a vida (sua e a dos que estão ao seu redor) fique sempre melhor.
- Planilhas regidas por calendários são coisas do passado.
Planilhas regidas por calendários são coisas do passado
Isso merece uma explicação à parte.
Porque veja… quem disse, exatamente, que um dia de descanso é fundamental para TODO e QUALQUER atleta? Desde quando somos todos iguais?
Entendo que isso era uma espécie de máxima para se forçar descanso – mas nem de longe um dogma do passado deve ser mantido no presente, principalmente se há ferramentas, hoje, capazes de efetivamente contradizê-los.
O que é necessário é se inserir na rotina o descanso adequado – o que não é a mesma coisa que um descanso de um dia inteiro ou um descanso todo domingo (até porque o nosso organismo não sabe exatamente o que é um ‘domingo’).
E isso nos leva a repensar a planilha.
Em uma assessoria esportiva e no cotidiano de uma grande metrópole como São Paulo, claro, rasgar o calendário e operar unicamente de acordo com o coração é impossível. No meu caso, por exemplo, continuarei precisando ir à USP às terças e quintas de madrugada, meu longão continuará sendo ao sábado e continuarei precisando encaixar natação e corrida nos mesmos dias.
Como fazer uma mudança sem mudar a rotina, então? Fazendo leves (e possíveis) ajustes.
- A intensidade dos treinos dependerá do nível de recuperação: a última coisa que quero é me estourar de exaustão novamente (e, da mesma forma é sempre bom puxar um pouco além do limite em dias bons).
- A possibilidade de cancelar um treino inteiro, até então um pecado capital, já entrará no espectro da realidade sempre que necessário.
- Os dias de descanso serão todos repensados e existirão apenas se o coração (literalmente) mandar.
Assim, aos poucos…
Aos poucos, a ideia é mudar o ritmo e o ciclo de treinamento como um todo. Ainda estou no Whoop faz pouco tempo, menos de um mês – e ainda nem destranquei muitas das suas funcionalidades que dependem de um entendimento estatístico mais completo. Todavia, só essa noção de que é possível ler claramente os sinais do corpo e moldar toda a rotina de treino a eles como forma de conseguir performances mais otimizadas já é um ganho como poucas vezes antes tive.
Alguns outros gráficos, dados e estatísticas legais do Whoop
Além de toda essa análise, vou colocar também alguns outros dados e estatísticas interessantes do Whoop que tem me ajudado bastante em “me entender”.






Parabéns pela aula!
Será que se a pessoa deixar de usar a pulseira por algumas horas por dia há muita perda de informação, compromete a avaliação total?
Ficar 24h de pulseira deve ser beeeem chato… Mas a informação gerada é muito impressionante!
Cara, é como usar um relógio. Você realmente nem percebe que está com ela. Mas o uso constante é meio que fundamental até para alimentar o sistema com dados consistentes.