Ficamos mais descansados quando estamos mais cansados?

Será que fases de descanso em treinos realmente fazem bem?

Dados são reveladores.

Não costumamos – ou pelo menos eu não costumo – pensar nos detalhes do que acontece dentro do corpo durante processos de desgaste extremo. No geral, o que costuma passar pela cabeça é o óbvio, o lugar-comum: quanto mais intenso um determinado regime de treinamento, mais destroçado fica o corpo (ao menos até que mergulhemos em um processo mais longo de recuperação, com menos atividades e mais descanso).

Mas e se não for assim?

É isso que o Whoop, essa tecnologia incrível que tenho usado há algum tempo, tem me mostrado.

Primeiro, vale revisar os dois principais parâmetros: HRV e frequência em repouso

Já comentei isso em mais detalhes no passado, em outro post, mas vale uma revisão rápida. Os dois principais parâmetros que determinam a qualidade da saúde de forma geral são HRV (Heart Rate Variability, ou Variabilidade de Batimento Cardíaco) e frequência cardíaca de repouso.

Ambas as medidas são tomadas pelo Whoop no último período de sono profundo de cada noite, evitando que diferenças no horário de captação dos dados gerem qualquer tipo de margem desnecessária de erro.

Quanto mais alto o HRV, melhor: significa que há mais “ociosidade”, por assim dizer (com alguma licença poética, aliás) no sistema nervoso central. Na outra ponta, quanto menos a frequência de repouso, também melhor: significa que o corpo está mais… digamos… calmo. Mais informações sobre HRV, a relação do sono etc. podem ser vistas aqui. As primeiras impressões que tive sobre o Whoop, que mede isso tudo, pode ser visto aqui.

Agora vamos aos dados práticos

Entre setembro e novembro eu estava em momento pico de treino por conta de duas provas: o Ohana Kahi, em 28/09, o IM 70.3 SP, em 10/11 e a Maratona de Sorocaba, que usei como qualira para a Comrades, em 24/11. Todos (principalmente os dois triathlons) foram provas extremamente intensas e desgastantes, antecedidas por períodos de treino compostos por 14 a 16 horas semanais de treino. Ou seja: porrada pura.

É óbvio que nos sábados de longos ou simulados, o desgaste que tive nesses períodos foi extremamente intenso – e que a recuperação nos dias imediatamente posteriores a sessões mais pesadas foi pequena. Mas – e aqui é que está a chave – qualquer descanso minimamente maior que eu tinha ao longo desse período mais intenso tinha uma qualidade tão grande que tudo ficava em um estado inimaginável de tranquilidade.

Veja, por exemplo, essa imagem abaixo, comparando 28/10 (uma segunda, pós um domingo inteiro de descanso), com o próprio domingo. Perceba, pela data, que eu estava aqui no momento mais intenso de treino, entre o Ohana Kahi e já às vésperas do IM.

Um HRV de 152 e uma frequência de repouso de 41 são números dignos de qualquer monge tibetano, extremamente acima da média de qualquer atleta amador (dentre os tantos milhares analisados pelo Whoop). Aliás, esses números foram os melhores que já registrei na plataforma – justamente no período de maior pico de treino que já tive.

Já durante o período de mais “calma” na rotina de treino…

Depois da Maratona de Sorocaba veio a fase de descanso de final de ano: sem provas próximas, sem preparações mais intensas e apenas com treinos de manutenção. O período inteiro que estou agora, inclusive, é essencialmente marcado pelo aumento de descanso e diminuição de estímulos.

Os resultados?

Essa imagem é da segunda passada, depois de um domingo de descanso que seguiu um sábado com um longo essencialmente leve:

Perceba a diferença gritante no HRV e na frequência de repouso em relação ao período de treino.

Seriam essas duas semanas apenas pontos fora da curva?

Não. Usei os dados dessas duas semanas apenas de forma ilustrativa mas, na prática, elas efetivamente refletem uma realidade. Quanto mais intenso o período de treino, mais poderosa é a recuperação e melhores são os indicadores de saúde do corpo; quanto mais leve o período, mais levemente o corpo se recupera e, consequentemente, menos “saudável” o corpo aparenta ficar.

Veja o gráfico com o “recovery score” (um algoritmo que considera tanto HRV quanto frequência de repouso) desde que comecei a usar o Whoop. Se prestar atenção, verá que há uma curva decrescente de recuperação desde o começo, quanto o treino estava mais intenso, até agora, quando ele está relativamente leve.

Que conclusões se pode tirar com isso?

Não sei se diria que é possível tirar uma conclusão – mas, no mínimo, algumas perguntas aparecem facilmente. Vale mesmo a pena inserir uma fase longa de descanso? O quanto descansar realmente ajuda o corpo? Não é melhor mantê-lo dentro de parâmetros mais intensos de treino, ainda que trabalhando nas doses necessárias para não gerar lesões?

São perguntas que contrariam praticamente todos os dogmas e regras do treinamento esportivo, eu sei. Mas de que adianta se ater a esses dogmas se os dados parecem apontar para outro lado?

Aliás, será que o segredo do sucesso de atletas de triathlon e ciclismo profissionais, todos com uma carga ininterrupta de intensidade de treino, não pode ser explicada justamente por isso?

4 comentários em “Ficamos mais descansados quando estamos mais cansados?

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  1. Oi

    Mais um post super interessante, parabéns.

    Dois pontos:

    Esse indicador mede a situação de desgaste cardiovascular, mas o musculo esquelético não é avaliado e precisa de descanso, como você mencionou…

    Você fala de uma dura rotina de trabalho. Ela não poderia afetar esses resultados?? Especialmente se o período mais leve de treino foi mais duro de trabalho….

    Abs

    1. O HRV mede tudo. Quando o corpo precisa de descanso (até para recuperar musculatura etc.), isso é refletido no indicador de maneira bem direta.

      De fato, o estresse do dia a dia normal também é refletido nele. E o estresse, no meu caso, realmente tem sido maior no final do ano (mas nada de tão dramático).

      Tem mesmo um monte de fator que acaba sendo considerado e é possível que eu tenha saltado para uma conclusão cedo demais… mas ainda assim achei interessante essa aparente esquisitice nos dados 🙂

  2. Parabéns Ricardo, como sempre um primor de texto e uma análise incrível.

    Para uma primeira análise mais aprofundada e considerando o viés alertado pelo amigo Álvaro Reis, penso que a resposta virá a partir de outros picos de treinamento, futuros, a serem analisados com na justa medida de um atleta amador – que treina arduamente e trabalha, talvez com maior intensidade ainda.

    Forte abraço e nos vemos no caminho!!!

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