Ironman Cozumel: Relato de Prova

Não foi, para dizer o mínimo, um ano fácil ou normal para ninguém. Todos os tipos de dificuldade, em todos os aspectos da vida, se amontoaram de maneira tão inédita que passamos meses e meses na mesma árdua luta pela adaptação.

O objetivo aqui não é, claro, falar sobre pandemia: a própria ausência longa de posts aqui no blog, que seguiu a relatos sobre essa quarentena que parece infinita, já cumpriu esse propósito. Há limites quanto ao que dizer sobre um período tão cheio de vácuo.

Por outro lado, ao menos para mim, o próprio título deste post já é uma espécie de vitória, de motivo de celebração individual meio cautelosa, tímida. Comecei 2020 com o propósito de fazer um Iron e já abri janeiro inscrito no de Floripa.

O ano veio, Floripa foi adiado e, ato contínuo, cancelado. Continuei treinando: triathlon, afinal, é sobre modalidades e distâncias, e tudo estaria bem se as fizesse ainda que por conta própria em algum lugar da cidade.

Como muitos outros triatletas, passei meses sem acesso à piscina por conta da quarentena. Voltei à água apenas em julho, quando também consegui sair do rolo para pedalar direito na estrada.

Cheguei a cogitar me inscrever no IM Portugal, em Cascais, mas o medo do fechamento do país com a segunda onda segurou a eletricidade ansiosa dos dedos que já queriam confirmar a ida.

Até que, finalmente, em uma dica bem-vinda do meu treinador Focá, da BR Esportes, decidi mergulhar de cabeça no IM Cozumel, no México.

Mais perrengues, claro

Os dias que se seguiram foram uma mescla de treino intenso com checagens de dados sobre o COVID no estado de Quintana-Roo: a ideia, claro, era fazer uma prova com o menor risco possível de contaminação.

E, apesar do México como um todo estar tão mal como o Brasil, aquela área em si parecia esbanjar números belíssimos.

Mas teve mais, muito mais além do COVID. Teve o furacão Iota, que decidiu varrer o Caribe na mesma semana da prova. O dia do vôo, aliás, estava assim:

Mas o furacão passou a tempo (deixando apenas um “resto” de vento poderoso para a etapa de ciclismo), a viagem se viabilizou e, no dia 22 de novembro, eu estava lá na Marina Fonatur pronto para largar.

A natação

Foi, sem sombra de dúvidas, uma das experiências esportivas mais memoráveis que já tive.

Por que? Basta olhar as imagens do percurso, abaixo.

Cruzar quase 4km retos tendo abaixo 10, 15 metros de visibilidade perfeita, pontilhada por corais descansando imóveis, peixes vagando sem rumo e mergulhadores conferindo a paisagem foi realmente mágico.

Perfeito.

Divino.

Tão divino, aliás, que sair da água veio acompanhado de uma sensação possivelmente comparável à que Adão e Eva tiveram quando expulsos do paraíso.

Tão perfeito que, durante todo o restante da prova, bastava eu me lembrar daquela cena para esquecer toda e qualquer fadiga muscular.

Tão mágico que nem por um único segundo da natação eu sequer me lembrei do cansaço.

E veio a hora do pedal

180km em três voltas ao redor da ilha.

No começo, cruzando o setor hoteleiro sul, uma brisa tropical ajudou embalando com seus sopros toda a emoção de estar ali.

10km depois minha família apareceu na torcida, gritando meu nome e me entregando uma dose ainda mais poderosa de motivação.

5km depois veio a curva da ponta sul.

Ali começava uma reta de ambiguidades. Por um lado, o vento. Muito vento. Contra.

Filho do furacão, o vento castigou todos que por ali passaram lançando paredões invisíveis que reduziam a velocidade na mesma medida que demandavam mais força e potência das pernas.

Mas… havia também o lado positivo.

A mesma falta de proteção natural – árvores ou morros – que potencializava o vento abria uma paisagem deslumbrante. Pequenos arbustos e galhos retorcidos à esquerda; todo o mar turquesa do Caribe à direita. Um mar diferente do que foi nadado, lá na costa oposta. Aqui, margeando a estrada, ondas azuis fisgavam os olhos de qualquer um que se aventurasse por ali.

Não houve quem não ficasse preso naquela encruzilhada do vento com o mar, do esforço com o incentivo, da dor com a emoção.

20km depois, uma curva nos tirava daquele cenário e nos lançava pelo interior da ilha, cruzando a cidade até o ponto de início do ciclismo.

Essa foi a primeira volta. Mais duas se sucederam, ambas repetindo a mesma mescla de ambiguidades, até o final do percurso de ciclismo.

A corrida

Depois de nadar no paraíso e de pedalar numa tela impressionista, correr pela orla da cidade foi quase como um passeio de comemoração.

Um passeio longo, claro: foram 42km quebrados em três voltas de 14km cada. Mas foram também voltas animadas, regadas a torcida de familiares e a mariachis embalando as músicas tradicionais mexicanas.

Foram 42km onde todas as memórias do dia puxavam sorrisos ininterruptos.

Foram 42km de pura alegria, tão intensa que nem a já óbvia dor muscular incomodava tanto.

E, depois de tudo isso, cruzar a linha de chegada do meu primeiro Ironman foi um presente exatamente como eu imaginava.

Perfeito.

4 comentários em “Ironman Cozumel: Relato de Prova

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  1. Parabéns!! Simplesmente gigante a aventura e o texto que literalmente nos transporta para a atmosfera da prova. Sensacional nobre amigo!!

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